quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Escadas de vida

Conheceu-o quando foi viver para Lisboa.

O filho entrava no 2º ano e era a primeira vez que ficava sozinho em casa. Para poder pagar a casa, não havia hipótese de arranjar ninguém para ficar com ele. Começava a trabalhar cedo, às sete da manhã, e as aulas começavam às nove.

No primeiro ano, o refeitório da escola não funcionou. O filho almoçava em casa do Sr.F. com a neta dele. A mulher ainda trabalhava e a filha e o genro também. Logo no segundo ou no terceiro dia que se mudou para aquela casa, ele se ofereceu para olhar pelo “neto” emprestado, durante o almoço. E fê-lo, durante um ano lectivo inteiro.

Depois, os anos passaram. Deixou de ser preciso dar almoço ao seu menino, os dois netos, a verdadeira e o emprestado, separaram-se na escola, e deixaram de se ver tanto.

A doença, as doenças, também ajudaram ao afastamento. Primeiro o coração, depois os rins, depois um atropelamento e o Sr. F. passou a dividir a sua vida entre o Hospital e a sua casa. Quando estava em casa, passava muito tempo na janela. Por detrás dos vidros, a olhar para as árvores do Instituto. Parecia que não a reconhecia mais. A ela parecia-lhe que o olhar dele não falava. mas nunca teve a certeza.

Nos últimos tempos, as doenças, entretanto, diagnosticadas (ela não fazia ideia que era possível ter Parkinson e Alzheimer, ao mesmo tempo, mas parece que é) afastaram o Sr. F. definitivamente da janela. Não que não ande. A mulher diz que faz quilómetros diariamente, duma ponta a outra de todas as assoalhadas.

Percorre-as incessantemente e sem motivo aparente. Quando ela lhe pede para parar, diz que está parado e continua. Horas a fio. Mas deixou de parar na janela. Agora, diz a mulher, gosta de as ter sempre fechadas.

Hoje, a filha, o genro e os netos estavam fora para um casamento. Ficou sozinho em casa com a mulher.
No meio da chuva intensa, tocaram a campainha. “Só fui a casa da minha filha, fechar as janelas”, disse. E desapareceu em direcção ao lado contrário da casa.

Calçou umas botas à pressa, vestiu a gabardina e saiu no seu encalço. Correu ruas e ruelas. Chovia imenso e não havia ninguém na rua.
Encontrou-o, finalmente, a descer as escadas que levam ao Coliseu. Estava encharcado. Andava apressado. Perguntou-lhe o que fazia ali. Respondeu que andava à procura da cozinha.
Pegou-lhe no braço devagarinho e ele seguiu-a. Não lhe parece que alguma vez a tenha olhado enquanto subiam as escadas e a Calçada. Apenas subia as escadas.
Vinha num passo apressado. Anda num passo tão apressado, pensou. Deve ter sido por isso que custou tanto encontrá-lo.
Diria, no entanto, que a acompanhava, meigamente. Como se ainda sentisse o calor dos braços dela que o traziam de volta. E lhe soubesse bem o calor. Ou voltar.

Ao chegar á porta de casa, olhou-a finalmente. Havia palavras no olhar dele, mas ela não as entendeu. Falava demasiado baixinho.
Antes de começar a subir as escadas falou, enfim. Disse-lhe que tinha mentido. Mas não queria que a mulher soubesse e ficasse triste. Mentiu em quê, sr. F.? Não sei. Só não quero que ela fique triste. Não lhe diz pois não? Que eu menti…Prometeu que nada diria. Possivelmente não era a cozinha que procurava, pensou.

Fala, anda, vê, ouve. Tem memórias. Baralhadas, mas memórias. Apenas não vive. E não quer que a mulher fique triste. Mesmo que para isso tenha que mentir.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O sorriso

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

As coisas que nós gostamos muito...

Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.

Nua a mão que segura
outra mão que lhe é dada
nua a suave ternura
na face apaixonada
nua a estrela mais pura
nos olhos da amada
nua a ânsia insegura
de uma boca beijada.

Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.

Nu o riso e o prazer
como é nua a sentida
lágrima de não ver
na face dolorida
nu o corpo do ser
na hora prometida
meu amor que ao nascer
nus viemos à vida.

Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.

Nua nua a verdade
tão forte no criar
adulta humanidade
nu o querer e o lutar
dia a dia pelo que há-de
os homens libertar
amor que a eternidade
é ser livre e amar.

Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.

Manuel da Fonseca

Noite de Sol / Sol da Noite

domingo, 19 de dezembro de 2010

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Na manhã fria de quase neve...

Abriu a janela. Encheu o peito de ar. Respirou o frio quase neve, e sorriu. Da última vez que tinha respirado um frio neve mesmo, estavam os dois, pensou. Sorrindo.
(Esqueceu o quase).
Hoje também.
Fechou a janela devagarinho, ainda olhou mais uma vez de frente o frio quase neve, através dos vidros embaciados do cheiro a café com leite e torradas. E sorriu.
Agora também estão, pensou. Respirou fundo e viveu.
Pelo caminho, ainda tentou entender quando tinha começado o "agora também" sem rios e estradas e montes pelo meio. Deu-se conta que já ia séculos, muitos séculos, atrás. Suspendeu a viagem. Por momentos teve receio de se perder na vertigem da eternidade.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

domingo, 12 de dezembro de 2010

24us2

O meu nome, teu

Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem os lábios
sopra-o com a suavidade
de uma confidência
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça

Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos

No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome

Mia Couto

sábado, 11 de dezembro de 2010

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

domingo, 5 de dezembro de 2010

Não há lutas cómodas!!

Apesar de me obrigarem a chegar a casa às 2 da manhã...ou entramos mesmo por caminhos novos, ou enfrentamos os poderes, o económico, o político, o judicial, o das direcções sindicais e das suas "lutas com tudo no sítio menos resultados" ou a derrota será ainda mais pesada.

Não me interessa se ganham bem, se são privilegiados, se usaram métodos ilegais ou imorais. Sei que não podem ter posto em causa a vida e a segurança de alguém, porque, quem diariamente, as assegura, não os põe em causa por irresponsabilidade ou por revolta.

Não vale a pena fazer greve se esta não se destinar a ser incómoda e, se pelo caminho, isso acabar por prejudicar "inocentes", as medidas que os verdadeiros culpados vão tomando não nos retêm nos aeroportos umas horas ou uns dias...retiram-nos anos de lutas, de direitos, de trabalho. E de futuro.

A nossa luta não pode ser contra quem vende a sua força de trabalho e por ela aufere mais que nós. Tem que ser contra quem a explora, quem cria desemprego e retira direitos.
A posição traidora dos seus sindicatos e cobarde dos Partidos de Esquerda é a prova de que ou se mudam os paradigmas e são os trabalhadores que os mudam ou se esperarmos pelos burocratas, sejam eles de "Esquerda à séria" ou "de Esquerda assim-assim", o caminho será o que se tem trilhado nas últimas décadas: de derrota em derrota até à derrota final.
A repressão está aí. Os militares ocuparam as torres de controle e os controladores foram obrigados a voltar ao trabalho. Mas onde há repressão há resistência, dizem os livros...

Não me rala nada ter chegado com cinco horas de atraso...o que são 5 horas de atraso comparadas com a dignidade de quem luta?

Com neve, com frio, mas com um sorriso...foi muito bom!

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Blog em repouso...


Até Sábado, à noite, andarei longe...e tenho a certeza que andarei bem.