sábado, 5 de junho de 2010

Sobre a fé...

A fé sempre foi algo estranho para mim. Estranho de estrangeiro, de estar fora, e estranho de incompreensível. Quando vejo as multidões em Fátima, por exemplo, penso que será sempre algo de inatingível para mim o que leva aquelas pessoas a estarem ali.
Uma vez, alguém me disse que, nas alturas das grandes perdas, a fé deveria ser um aliado. Dei-lhe razão. E por isso mesmo, não a alcancei.

Quando era pequena e o meu pai vinha de bicicleta para casa, estávamos em França e ele tinha que atravessar uma Nationale qualquer. Recordo das tentativas que fazia de fazer promessas se ele chegasse bem. Se não acontecesse nada…mas, já na altura, nunca sabia a quem as fazer…o tempo que demorava a decidir era o tempo para ele chegar. Respirava aliviada. Ele estava bem e eu continuava sem saber se a minha incapacidade era falta de jeito ou falta de fé.

Anos mais tarde, ainda acreditei que se podia ter fé em Mundos. Em paraísos. Achava que o Homem podia ser o Deus da construção desses mundos e não rezava, mas acreditava. Duma forma total. Sem dúvidas. Como, creio, deve ser a verdadeira fé.
Depois, fui vendo as nossas imperfeições, as nossas desistências, que perdíamos sonhos e que sabíamos viver com essa perda, que éramos capazes de esconder a cabeça na areia e de trair e fiquei, de novo, órfã de fé. Ainda quero construir um mundo novo...mas sei que terá que ser com homens e não com deuses.

Também creio que passei algumas vezes por fases de quase fé no outro. Em outros. Amigos para sempre, amores para sempre. Não rezava, claro que não, ouvia a voz e via o olhar e era tão divino que só podia mesmo ser fé. Foi-se, aos poucos, perdendo o divino na amizade e no amor. A eternidade passou a ser o momento. Mesmo que ainda hoje, ou, sobretudo hoje, acredite cada vez mais que há momentos eternos. Foi uma dádiva para a paz (e para a amizade e o amor?), mas uma nova machadada na fé.
Quando o meu filho nasceu, a eternidade estava ali. Mas era (é) tão vivida, tão palpável, tão de pele e tão de cheiro, que nunca se poderia catalogar em qualquer cantinho esotérico. Era e é amor, entrega, esperança, fé não.

Não sei se me faz falta. Há seis meses quando perdi a minha mãe não fez. Encontrei a força para a dor nos lugares onde a encontro hoje para a saudade. Nos ombros, nas bengalas, nos barcos, nos braços, que me levavam, me levam aos lugares onde a vida voltava/voltou a acontecer.

Vejo aquelas pessoas que enchem Fátima ou que cruzo nos caminhos quando venho da terra e não entendo. Se o que procuram é felicidade. Ou é paz. Se o que sentem é medo. Ou é esperança. Se se preparam para suportar as perdas ou para se recuperarem delas.
Se procuram a vida eterna ou ajuda para suportar esta. Se abdicam de lutar por um Mundo melhor aqui, ou se para eles, o Mundo é melhor aqui, porque lá podem e sabem estar.

Ciclicamente ainda sinto aqueles laivos de quase fé. Ultimamente a minha vida encheu-se deles. Em que, por momentos, sinto que alguém ou alguma coisa torna tudo possível. O problema é que esse alguém ou essa alguma coisa tem rosto e tem contornos. Não pode ser fé, portanto. Convencionei chamar-lhes os meus momentos de quase tudo…e, sem medos, agora ouso incluir neles a felicidade. Só a fé continua, teimosamente, também destes, como de todos os outros momentos arredada. Há muita pele. Muito sabor. Muito cheiro. Muitas palavras e silêncios, para ela, neles caber. Se a fé fosse, apenas, a ausência de razão, ah aí sim, ainda tinha esperança. Perco muitas vezes a noção de razão quando sou feliz. Mas acho que a fé também é a ausência de olhar. Nada feito, portanto. Não devo nunca lá chegar.