quarta-feira, 11 de agosto de 2010

A nossa casa


A nossa casa. A nossa casa tem defeitos, mas é a nossa casa. Até ser a nossa casa, a humidade na cozinha, o barulho das canalizações, a pintura da entrada a cair, até o telhado a vir parar em cima da nossa cabeça, num Inverno mais rigoroso, põe-nos mal-dispostos, preocupa-nos, obriga-nos a gastar tempo e dinheiro...mas não retira o aconchego do nosso sofá, o encanto do bocadinho ao pé da janela, o buraquinho que o nosso corpo cansado, ou cheio de paixão, fez no colchão. E que nos ampara a queda quando voltamos de sonhar.

Podemos conhecer outras casas, encontrar casas sem humidade, sem barulhos nos canos, casas que parecem sempre acabadinhas de pintar...mas não têm o canto da janela nem o buraco dos sonhos no colchão.
E sentimo-nos estranhos. E são casas estranhas. Podemos entrar nelas, mas elas não entram em nós.

Acho que acontece o mesmo com todas as outras nossas coisas. O nosso Partido, a nossa cidade...nisto de lugares a que pertencemos e que nos pertencem, não me parece que entre aquela história da galinha da vizinha ser melhor que a minha...


Depois, um dia, chegamos a casa, a janela está lá, mas puseram uma parede à frente, do outro lado da rua, que nos tapa a vista e nos tira o ar e já não há o cantinho encantado.
Mas ainda temos o sofá e o buraquinho dos sonhos...

Tempos depois, parte-se um pé e temos que mudar de sofá.
Mas ainda há o buraco dos sonhos...

Até que um dia, à socapa, tipo ao meio da manhã, depois de se ter saído para o trabalho, mudam-nos o colchão..às vezes não é à socapa, é às claras mesmo...mas o resultado é o mesmo.
Ficamos sem buraco que nos ampare o corpo e a alma, quando somos forçados a voltar...e deixa de ser a nossa casa.


Até podemos lá continuar mais uns tempos, até pode demorar a sair de nós, mas sai. Sai, a grande maioria das vezes, antes de nós sairmos definitivamente dela.

Há uns anos, o Zé Mário Branco, quando saiu do Bloco de Esquerda, dizia que nunca saiu dos Partidos, os Partidos é que foram saindo dele.
Penso que percebo exactamente o que ele queria dizer. Porque acho que os Partidos são parecidos com as casas. E com as cidades. Se bem que não me lembre agora de ninguém que tenha falado sobre as cidades.