domingo, 19 de junho de 2011

O ribeiro que perdeu o norte


Era uma vez um ribeiro.

Nasceu pequeno, feito de águas várias vindas de lugares vários, entalado entre montes, rodeado de muitas pedras. Era uma vez um ribeiro. Que nasceu e trouxe esperança para as terras secas e as gentes cansadas de à sua volta.

Com o tempo, foram-se juntando outras águas. Mãos vigorosas com a ajuda. algumas vezes, poucas, mas algumas, da chuva e do vento, mas sobretudo, mãos vigorosas e calejadas de sonhos e de lutas, de homens e mulheres, foram-se juntando e afastando as pedras, alargando os montes, e o ribeiro virou rio. Pequeno sim, mas rio.

Depois, dentro daqueles que alargaram os montes, que encheram o caudal, houve quem achasse que era dono do rio. Mais dono do rio. Ou o único dono rio, conforme o caso.

O rio foi dando sinais de mal estar, que os rios não nasceram para ter donos, nem os ribeiros, quanto mais os rios, mas os que se achavam donos do rio, ou assobiavam para o lado, ou achavam que quem se queixava, quem reclamava, não era o rio, mas sim os que os tinham ajudado a abrir montes e a arredar pedras. E não ouviam os gemidos do rio.

Com o tempo, alguns, sobretudo os que se julgam donos do rio, por opção, por incapacidade ou por desnorte, foram deixando que novas pedras se juntassem nas margens. Pedras ameaçadoras para o caudal do rio, mas que eles não viam. Ou fingiam não ver.

Um dia o rio quase virou de novo ribeiro.

Não seria irreversível. Seria sempre possivel começar de novo. Arredar pedras, abrir os montes. Mas há um problema: o ribeiro, que chegou a ser rio, perdeu o norte.

Não sabe mais onde fica o mar.