quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Falando de sentimentos


Parece que são hoje tornados públicos os relatórios do processo Casa Pia.
Momento indicado, antes de os conehcer, pois, para escrever estas linhas.

A pedofilia é um crime abjecto. A pedofilia é um daqueles crimes em que quem o pratica sai do reino dos homens para entrar no reino dos monstros. Repugna-me este crime, em concreto, da mesma forma que me repugna qualquer outro crime de pedofilia. Isto é, trata-se de crianças pobres e abandonadas agredidas, violentadas, violadas por homens ricos e com vidas estáveis. Mas se se tratasse de crianças ricas e de vidas estáveis violadas por homens pobres e abandonados, sentiria a mesma repulsa perante o crime. Uma criança é sempre uma criança. Um assassino é sempre um assassino.

E a pedofilia é um assassinato. Mata-se a confiança, mata-se a capacidade de entrega, mata-se a disponibilidade para o amor, matam-se os sonhos. E mata-se tudo isto numa criança ou num adolescente. Mata-se, assim, o início do caminho e, assim, mudam-se-lhe todas as regras, todos os encantos e todas as descobertas.

No dia em que o meu filho nasceu, senti que seria capaz de tomar a justiça nas minhas própias mãos. Isto é, senti que se alguém, algum dia, lhe fizesse mal, lhe fizesse mal deliberadamente, eu seria capaz de tudo. E tudo, senti então e sinto hoje, é mesmo tudo.

Não sei se foi feita justiça no caso Casa Pia. Mesmo tendo sido, e espero sinceramente que sim, porque como não consigo imaginar, sequer, a dor que deve sentir a vitima de um crime de pedofilia, também não consigo imaginar a dor que deve sentir, se alguem houver que seja, injustamente, acusado de um crime de pedofilia.

Como escrevi no dia em que foi lida a sentença e mantenho, justiça pode e espero que tenha sido feita, a Justiça não funcionou, neste como em tantos outros casos. E a Justiça é condição sine qua non da Democracia. Esperar 8 anos pel justiça, não é, para vitimas ou culpados, Justiça.

O que falta dizer? As palavras sobre o Carlos Cruz. O Carlos Cruz começou a entrar na minha casa quando eu tinha 10 anos. Entrava com o Zip Zip, Entrava com o Solnado e com o Fialho Gouveia. Trouxe a minha casa amigos. Deu-me a conhecer amigos. Tantos amigos ele me trouxe...
Depois entrou com a Cornélia. E voltou a trazer-me amigos. Amigos que me fizeram, como só os verdadeiros amigos nos fazem.

Tinhamos a televisão em cima do armáriozito que tinha sido da minha avó, e sentavamo-nos à volta da mesa da camilha grená. No Inverno, acendia-se a braseira. A maioria das vezes, recebiamos os amigos que o Carlos Cruz nos trazia só eu e a minha mãe. Outras, recebiamo-los com o meu pai. Às vezes, acontecia que a casa enchia. Calhava em dia de aniversário e vinham as primas, os tios, os avós. Todos nós e os amigos que nos entravam pela televisão, era, mesmo, uma casa cheia. E era uma festa.

Mais tarde houve o Pão com Manteiga. Aí não precisavamos de estar todos à volta da mesa da camilha grená. Nem sei se ainda havia camilha. Mas Carlos Cruz continuava a entrar na minha vida. Digamos que deve ter sido das pessoas que nela entrou durante mais tempo. Desde 1969, vi agora que foi o ano do Zip Zip. Tinha dez anos. A idade dos meninos da Casa Pia, mais coisa menos coisa.

Por isso o sentimento em relação a Carlos Cruz é bem mais complicado do que em relação a qualquer um dos outros acusados ou culpados. E estou, repito, a falar de sentimento. A razão não entra aqui. E não me culpo nada por isso.

Se Carlos Cruz, enquanto entrava em minha casa e eu o recebia como amigo, paraticava aqueles crimes contra os meninos que deviam brincar como eu brincava, não consigo sentir (repito, estou a falar de sentimentos e não de razão), o crime de Carlos Cruz, apenas, como um crime monstruoso contra aqueles meninos, sinto-o também contra um crime enorme contra a minha confiança, contra a memória de nós os três sentados à volta da camilha. Sinto-o também como uma traição à minha confiança. Não lhe perdoo ter entrado pela minha porta adentro, recebendo-o eu, como amigo.

Se Carlos Cruz (e repito porque se trata de sentimentos, aqui é apenas de Carlos Cruz que falo), é vítima inocente de uma Justiça coxa, ah, aí perdoem-me todos mas não perdôo a quem, o condenou. Porque a justiça tem que ser justa? Obviamente. mas porque a justiça está a condenar injustamente um amigo meu, também.

E há o agora. E aí volta a falar o sentir. Se Carlos Cruz, o "amigo" que me trouxe tantos amigos, usa o seu poder para mais uma vez abusar da nossa confiança, traí-la, Carlos Cruz está a dar a machadada final na minha memória dele e seria capaz de lhe cuspir em cima se com ele me cruzasse.

Se Carlos Cruz está, apenas, a usar o seu poder, para tentar lutar pela sua inocência, porque é inocente de um crime mosntruoso pelo qual o condenam, tem toda a minha compreensão, solidariedade e...amizade.

É detestável falar em Carlos Cruz, parecendo esquecer as vitimas? Estão enganados, em nenhum momento as esqueço. Em todos os momentos sinto que podiam ser o meu filho. Cada um e todos eles. Desde o dia em que ele nasceu, que eu sinto, que se alguém lhe fizesse, delinberadamente, mal eu seria capaz de fazer tudo. E tudo é, mesmo, tudo! Sinto-as (e continua a falar de sentimentos e não de razão), pois, assim