sábado, 12 de março de 2011

Desde que me lembro que sei que hoje estaria na rua!

Quando me bateram à porta, menina de bibe, e uns homens de negro me levaram o meu pai, numa noite escura de chuva, soube que hoje estaria na rua. Quando vi os meus pais partirem em busca do pão que aqui não tinham, soube que hoje estaria na rua.

Quando entrei no autocarro que me levava ao Liceu de Santarém e ouvi o Zeca, manhãzinha cedo, daquele dia de Abril, e entendi que aquela era a manhã, soube que hoje estaria na rua. Quando corri ruas, campos, de bandeiras de luta e de esperança defraudadas com o mundo numa mão e a vida para fazer na outra, soube que hoje estaria na rua.

Quando decidi que o meu filho nasceria e que ia lutar por lhe dar dignidade, soube que hoje estaria na rua.

Sempre que luto na empresa, na rua, em casa e na vida, pelo pão, pelo trabalho, pela dignidade, pela justiça, pela liberdade, sei que hoje estaria na rua.

Quando conto os tostões para os livros, para o pão, para as propinas, para a casa, e os tostões não chegam, sei que hoje estaria na rua.

Quando não sei o caminho, quando digo não, quando amo, quando rio, quando choro por não saber o caminho, quando hesito, quando vacilo, sei que hoje estaria na rua. Quando me tiram um direito e eu reclamo. Quando vejo fome e me indigno. Quando os meus amigos querem trabalho e eu me inquieto e me revolto, sei que hoje estaria na rua.

Quando me falta a força, sei que hoje estaremos na rua. E vou!