O dia estava cinzento (ou os dias eram todos cinzentos?). Apanhei o autocarro das 7.40h que me levaria ao Sta. Margarida, a Santarém. Apanhei-o no mesmo lugar de sempre. Com as mesmas pessoas de sempre. E o mesmo cinzento de sempre. Entrecortado com os sorrisos e a algazarra de quem, apesar de ser manhã e dos dias cinzentos, ainda estava na manhã da vida.
Quando entrámos no autocarro ouvimos uma música estarnha. Não. A música não era estranha. Ouvi-la no radio do autocarro, sim, era estranho. Creio, mas pode ser que me venha da manhã que me fiz e não da manhã mesma que vivi, que quando estrámos ouvimos o Adriano...não sei, na mimna memória daquele dia, em algum momento no autocarro, ficou guardado o Cantar de Emigração e o Adriano.
Acho que, no início, interrompemos os risos próprios das manhãs cinzentas da manhã da vida...depois ouvimos o Comunicado do MFA..."o que se passa? "Cantamos?" Cantamos! Mas baixinho, ainda.
Quando chegámos ao Colégio e fomos mandadas para casa com um sorriso nos lábios pela Directora do Colégio, mulher dum oficial do Exército Colonial, que nos odiava porque vinhamos de uma terra de comunistas, o 1º e único sorriso em dois anos, entendemos que podiamos cantar.
Não obedecemos e não voltámos para casa. mas sorrimos, pela primeira vez, numa manhã não cinzenta da manhã da vida.
Na volta para casa, horas mais tarde, tinhamos visto os chaimites da EPC a voltar de Lisboa. Não conheciamos o Salgueiro Maia nem a história. Mas no autocarro de volta cantámos alto. Muito alto.
Depois, por mais uns tempos, a festa continuou.
Durante mais dois anos, continuei a apanhar o mesmo autocarro. Lembro-me que, nos últimos meses do Liceu, já tinha havido Novembro e o cinzento começou a querer-se impôr de novo. Mas ainda cantavamos.
Nunca mais, apesar de Novembro, desistimos de cantar. Alguns de nós.